31 de maio de 2008

Outono

Um sino soa ao longe
Talvez há séculos de distância...
O outono é o desenterrar dos ossos,
Exumando lembranças, sensações, impressões.
Muitas de mim em relâmpagos,
Ao pôr-do-sol,
Com gestos de adeus e cheiro de chá da tarde.
Palavras
Recortes de mim em risos contidos
Letras, luzes, trevas.
O mistério, a revelação...
O outono sobe por minhas raízes
Grávido de poesia.

Ocupas tudo em mim


Como dói fundo e deliciosamente isto!
Ocupas tudo em mim,
És a cadência de minhas ondas.
Não sei de amanhã e nem quero saber...
Vertiginoso torvelinho de meus desejos,
A sereia ferindo meu olhar,
Quase a não suportar teu canto,
Fico desesperadamente à deriva
Pois amo. Na minha louca paixão amo
E dissolvo todas as culpas e pecados
Em teu nome, volúpia de meu querer.

Amo teu poderoso ser com todos os defeitos:
As marcas do implacável tempo,
A insensatez, tuas bobagens,
As sombras de teus olhos, o teu premeditar,
Até tua beleza e tua humanidade...
E amo ainda mais que tudo
O que és nos teus anseios,
Nos sonhos onde te permites inteira.

Ocupas tudo, como um mar incontrolável,
Que da rocha vejo e almejo buscar,
Minha ninfa lasciva e lânguida,
Poderosa fêmea cálida e tântrica
Que espero a não conseguir resistir.
Vem mulher, vem...
Que venhas, pois,
Ah por tudo que de mim é ser e amar,
Que venhas...

26 de maio de 2008

A prisioneira do rochedo


Como vou viver sem ti, meu desejo?
Como não tocar tuas mãos?
Sonho contigo em meus braços,
Vejo-me a beijar tuas faces, tua boca,
Tua pele. Meus olhos estão nos teus.

Como vou continuar sem tua presença,
Longe de ti, fêmea pulsante por inteiro,
Sem roçar teus quadris com meus lábios,
E sentir teu arfar de prazer e felicidade
E enlaçados nos amarmos delirantes?

Quero teu corpo tatuado no meu,
Soltar as amarras que te prendem.
Quero me perder em ti, em teu ventre,
Estar dentro de ti, tua vulva quente,
Teu olhar pedinte, tua explosão...

Como preciso de ti, meu desejo,
De ti, minha paixão, estrela reluzente
Que voltou a brilhar antes para mim,
A crescer alma e mulher, livre, linda...
É assim que vou te amar, única e íntegra,

Um instante antes de abrires as asas,
Uma eternidade de êxtase e prazer,
E exausto consentir com tua partida
Como teu mais terno e impossível amante,
Triste & feliz ao abençoar teu vôo.

O amor e a saudade

Aos amigos idos

Como se tivesse sede no deserto,
Estou com saudade da gente que amei.
Sinto-me só como um ermo lago cristalino.
Tudo em volta é silêncio.
Mas o não barulho é um hiato
Quase insuportável.
Estou com um jeito árvore,
Uma espreita centenária,
Como ouvir uma soprano cantar “pianíssimo”
Uma canção de água, um regato.
Uma vigília de rocha
Como o descanso do mofo,
Nos cantos mais escuros...
Uma espera vazia
Como mares tristes de solidão
Aonde ninguém vai!
Envelhecer é ser dado a reboco velho
Nas paredes onde festejam formigas!
Só falta cair da teimosia,
Mesmo assim, sem deixar de amar.

24 de maio de 2008

Fábula

para a menina águia

Era uma vez essa mulher...
E era eu, argonauta,
Explorador desse mar estranho,
Que fui dar em seu rochedo.
Não devia ser por acaso...

A mulher alada e acorrentada,
Que já me sabia antes de eu chegar,
Uma prisioneira presa ao escolho,
Esse olhar divergente de deusa e órfã,
Mar noturno de sargaços e calmarias,
Era, a fêmea-ilha, meu escolho lacrimal
A dizer “Olha para mim”.
E eu, calejado navegante soturno,
Mago que desistiu de ser herói,
Senti imensa nostalgia, desejo,
Fagulhas de estrela em seu degredo.

Serias tu a verdade nua, a estrela deusa
À beira do precipício em frente ao meu navegar?
Serias ainda a feiticeira a enganar a si mesma
E aos bobos errantes a se buscar no mar?
Ou a alma aflita, agrilhoada a querer loucamente
Abrir as asas e alcançar o ar?
Talvez. Ou talvez só poesia, palavras ao vento,
Palavras singelas de lamento, amor, e dor.

De repente não importava mais o perigo, a dúvida.
Era uma vez um velho rei fauno cansado
Que encontrou uma linda prisioneira
Com grandes asas e mãos de rapina,
Vestida de véus como uma fábula.
Virou seu barco e, sem pensar mais,
Partiu a naufragar em seus olhos.

a chama



Em minha via, eu me pergunto,
Onde será a porta do esquecimento?
Não digo entrar no mais que perdido paraíso...
Apenas deixar dor e angústia, memória e vida.

Em minha estrada para o inferno,
Nem a neblina me esconde...
Onde estarão os campos da velha paz,
Destruída por toda a pretensão humana?

Os meus espíritos amáveis e apaziguados
Saberão onde me encontrar?
Serei eu mais nada que a nua essência?
Ah! Antes precisaria crer.

E a alma ainda não quer terminar
Feliz e convulsa a chafurdar na lama,
A matéria-prima da criação.
Ainda não mãe, espere, ainda não...

18 de maio de 2008

Noturno 04

Desencontrado e vagabundo,
Entre os letreiros luminescentes dos bares,
Percorro essas veias de sangue noturno.

São todos iguais assim, bem ou mal.
A serpente dos quadris, os dialetos,
As palavras revoando pelos guetos,

Os olhos esgueirando-se pelos olhos,
A língua escorregando no céu da boca,
A comunhão pagã que a cerveja evoca.

Noite é um mel, noite é um fel,
Noite é um céu. A noite é a mãe assombrosa
Mater dolorosa e obscura que todos querem ter.

E eu a entregar meus olhos aos transeuntes
E a ouvir as bobagens alheias, procuro um assombro.
Quero-me vida bandida e arrebatamento.

noturno 06

Extraditar-se é inevitável
Como seguir um estranho caminho quando se quer.
Em reinos de aluguel tal qual este aqui,
Lugares estrangeiros, quase seus,
Há às vezes uma esguia e amável mulher
Que vende cigarros, café, cerveja.
Oferece também para quem quiser e estiver atento,
Seu sorriso luminoso de brinde.
Na madrugada entre bombas de gasolina,
Carros, calor e chuva fina,
O céu não se vê mas com certeza é feito de estrelas.

Buscar também é inevitável.
Lanternas acesas, gotas iridescentes no pára-brisa, é ir-se.
O nômade que vai sempre aos encantos das novas paragens
Vem também para partir.
Um último aceno à princesa no covil,
Entretida a digitar preços para os desavisados
E então, fechando a porta,
Pegar estrada com um sorriso ganho de presente.
Nas horas erradias entre as margens molhadas da rodovia
Cintilam brilhos no asfalto
Mas é que estrelas estão onde queremos que seja o céu.

14 de maio de 2008

A tua fotografia

Assusta-me esse teu meio sorriso,
um lado da boca a esboçar alguma felicidade
Enquanto o outro melancólico, cai sutil,
Perde-se em um lago triste de sombras.

Encanta-me esse rosto levemente inclinado,
O ar de deboche falso a se defender,
Pendendo de lado, como que concedendo
Um pouco de si a quem te olha, mas não te vê.

Acontece que eu te vejo,
Meu amor entrincheirado,
Cada nuance de teu ocultar!
Só não consigo ler teus olhos.

Então, ai de ti, não sei o que escondes.
Pressinto apenas, e me desconsolo:
Tudo de ti, nada de mim na fotografia...
E a tristeza dos meus presságios.

9 de maio de 2008

Marilyn


Eu fui Diva, eu fui deusa...
Fui eleita pelos homens,
Uma Vênus blond falsa, um ícone.
Era a prostituta sagrada.
E fui a
coisa com que mais sonhou
Quem me desejava!

O corpo, a fotografia da atriz,
Uma rara boneca platinada, a miss!

Não podia ser mulher,
ah não, isso não:
Humana mesmo,
desejosa, sensível,
Comum, linda sim,
mas com defeitos.
Acordar com olheiras
e mau hálito de manhã? Não.
Nem sujar minhas calcinhas!
A máscara sempre pronta,
Tinha que ser ré idílica,
Presa na redoma da película,
A imagem erótica,
filmada tantas vezes,
Dose incerta de libido para qualquer um.


Eu fui isso
Para além da medida!


Queria que tivessem me visto de fato,
Meu talento, minha força, meu sonho.
Alguém por trás de um nu de retrato,
Mas não. Nem meu recato eu tive.

Antes porém,
Ah antes, fui Norma Jean.
Eu tinha alguém dentro de mim:
Ela. Minha alma,
minha essência,
Frágil, errada, ingênua, órfã.
Uma menina doce,
generosa e amável
Que gostava de ser abraçada!
Uma operária que queria
ser feliz.
Um coração de amor e dor,
Verdadeira mulher feita de si
Que se daria toda
de bom grado
a um grande amor.
Mas ninguém quis.
E assim morri.


Eu fui Diva, eu fui deusa...
Eterna luz, enfim!

Ouça minha fria súplica,
O outro lado do sagrado:
Bendita entre as mulheres,
Busque também por mim.
Saiba ver em todas elas Norma Jean.

7 de maio de 2008

Paixão

Esse olhar lunar
Negro e fundo onde mergulho,
Mar noturno e quente
Sem ilhas, sem margens, sem escolhos,
Farpas de lua que escondem teu segredo,
É o tempo em mim:
O instante casual em que te vi,
As horas náufragas a te desejar
E as palavras de amor que ao mar joguei.

A Mulher e o poeta

Obrigado pelo papel,
Um poeta não é mais que papel, caneta,
E alma.
Meu vento motor,
Fêmea da casa rangente de sons e olhares,
Deixar-te-ei navegar em meu segredo,
Degredo dos meus sonhos de papel,
Linda mulher.

Corpo de ninfa, ar e asas,
Cria de Dioniso, o Deus de todos os desejos,
Mais do que o papel, serás meu delírio,
O poema.

Metamorfose

Um calafrio e mais nada,
Vejo num clarão as barras do cárcere
E então a escuridão.
E o nome dessa mulher fugindo,
E o frio.

A noite escorre no meu sangue quente
E de repente o corpo velho no portão
É mais que um velho.
É a trágica visão de que sou eu
A vagar no vazio.
Então rio da solidão, e recomeço.
Uma centelha, um clarão
E o nome dessa mulher rugindo
É a morte.

2 de maio de 2008

Cantatas

Uma doce melodia
Na madrugada de tantas ausências...
Cantatas profanas
Em noites sagradas.



Vozes límpidas glorificam a vida
Entre uma xícara e outra
de café...


Minhas lembranças
São intervalos risonhos
Minhas palavras...
Já não sei.
Talvez mera tentativa
De sentir-me humana.
E nada mais.


A noite é alta
Entre xícaras de café, a vida
Entre pensamentos e sussurros, tesouros.

Caço palavras como quem caça borboletas...

Tempestades

Tudo em mim são dias de tempestades...
Por isso entrego minha alma à poesia
E meus dias a escrever versos.
Meto uns poemas em velhas garrafas
Levo para as águas intermináveis dos mares
- Revoltos e tristes -
E as lanço, na singela esperança
De que um dia alguém os leia
Ainda que meus pés não estejam mais sobre este chão
E meu corpo tenha sido já lançado no ventre desta terra impura
E minha alma tenha também partido
- Para a imensidão do infinito com que sonho
Ou para o abismo solitário que me amedronta...

A imagem recorrente

Olho como de primeira vez ao meu redor
E meu olhar enfraquece.
Meu mundo quase fenece, mas resiste em cor
E um brilho ainda tem.
Estou num vagante e nevoento torvelinho de dor
E emudeço, sou outro.
Perdi o fio do que se me revelava e insisto:
Do eu menino não quero o fim.
Hoje volto pelas janelas da alma
A aninhar surpresas e estupor
Pois o espírito ainda se entristece tênue.
Não sei o que sou, delirante e ingênuo,
Acho-me vidente
E perco o instante recorrente de me reconhecer espelho.

Olhar de criança

Sempre sem lugar nem hora,
Deixo-me diluir em velhos faunos,
Bastardos deuses que tudo sabem dos meus enganos.
Rogo-me conseguir de mim poesia, busca de cada dia,
Sem que disso me saiba a outra face.

A criança sagrada que arde em mim feito chama,
E que na lama dos sonhos me enlaça,
Ri, travessa, de meus duros dedos
E faz pouco de meu escuro olhar baço,
Quando no cansaço de escrever, vou para cama.

Mas na manhã seguinte acordo e continuo,
E de seus brilhantes olhos tiro versos de ver o mundo.
Teimoso e fadado, não recuo da vereda
E deixo-me levar num amor profundo
Pelo reverso de minha própria moeda.