29 de junho de 2008

O orgulho de Prometeu

Entre mendigos deserdados,
As fogueiras em latas de lixo,
Na poça mais suja vejo-te. Que dizes agora,
Castigado orgulho de Prometeu?

"Espelho, espelho meu, não me abandones
Peço-te que mesmo em farrapos,
Fiapos de mim, és a única janela,
A visão de meus seculares desejos".

Mesmo com rugas nos olhos, a vontade,
Fantasma em véus e trapos
Andando seminua em minha pele,
É o sopro e a chama que me deu o deus titã.

O corpo de Prometeu traz a chaga mais velha
E é dela, do castigo e da dor, que se servem os deuses,
É nela que bebem do nosso amor rebelde.
O sangue dos homens brilha entre iras e concessões.

O sagrado também está nas poças mais sujas
E nas chamas que dançam nas fogueiras dos miseráveis.
Orgulho castigado, imagem acorrentada,
Não meu espelho, não me abandones.

28 de junho de 2008

Caravana, Eras de um Sonho

Vivo de meu mar,
Rugido de velas e deuses,
Águas de argonautas
E leviatãs imaginários.
Meu barco navega nos olhos do tempo
De pálpebra a pálpebra,
Num poente lacrimal a fechar o dia.
Noites oníricas, adormeço
Em meu olhar
Oceano.

A Deusa de Mármore

O escultor cinzelou levemente
Uma última vez...
Os olhos vítreos pousou na obra
E ao “vê-la” disse enfim:
Tenho sede.

E ela, olhos mortos de pedra,
Boca lânguida de branco mármore,
Continuou muda e fria diante dele.
Ele suplicou com os pés na lama do desejo:
Sede de ti.

E ela alojou secretamente suas queixas
Enquanto ele bebia das pesadas lágrimas
A cair pelas suas faces empoeiradas
Num indizível sulco úmido
De triste Narciso.

19 de junho de 2008

Caçada

Através das muralhas de ouro e lágrimas,
Profusão ininterrupta de verbos.

Coroas crivadas de emoções ocultas aos olhos comuns

E uma canção entoada no espaço...

Olhos atentos pelas frestas
Buscando, quem sabe, a realidade do outro lado
Almas famintas consomem interrogações
Embebedam-se de respostas que jamais encontraram.

Poesias atravessam as páginas como relâmpagos
E quase posso tocá-las.
Sinto-lhes o cheiro e o sabor
E me basta saber que existem...

Lanço a rede sem esperanças
“Poesias são ligeiras como o que!”
E num repente sinto-me (outrora caçadora)
Como a mais servil prisioneira...

17 de junho de 2008

O Amor da Triste Figura

Se de repente teu sangue vier
Arder em mim como em tuas veias,
Se tua língua colar estrelas em meu céu da boca,
Se tuas mãos enfim forem asas,
Dá-me então, Dulcinéia esse teu beijo
Porque é este o desejo terno
Que deve ficar em mim
O desejo que a morte levará com ela.
Serei renascido em tua boca de mulher,
Abraçado em teus galhos-asas
Iluminado por teus olhos.
E assim mergulharei entre mundos
Unido a ti nesse instante único,
A passagem de teu beijo eterno.

Poema Sangrado

Falo de ti poema sangrado por vozes sussurradas de mim.
Falo do que ouço às vezes por um fio de som,
Meus teoremas, meus presságios, meus dilemas.
Ouço a alma surrada de desencantos e encolho-me.
Que dizes maltratado filho de Prometeu,
A desmedida fonte castigada que aos deuses desobedeceu?
Os gemidos nada revelam, mas não aplacam a dor.
Não há mais soluções para o orgulho da raça
E o que faço é relembrar o sonho perdido.
Sangra palavra minha sem rumo,
Que em ti se esvai a vida contida em meus pesares,
Sangra. Não há remédio para essa ferida,
Só eu a envelhecer, meu encontro em minha procura.

O Penar da Alma


Procuro teu rosto entalhado em meus segredos.
O que me dizes alma outrora presa em teus grilhões,
O que podes dizer agora diante do vazio?
O que há para ser ainda num mundo corroído,
Derrota dos homens a se destruir ?
Amo tua liberdade faminta mas pago um alto preço.
Quem sou eu entre os véus do corpo que envelhece,
Essa puída trama que esgarçará inútil?
Mesmo assim consinto, alma, nada mais me cabe.
Amo e assim terei que ser custe o que custe.
Sei o que fazes; procuras. Pois que assim seja então.

13 de junho de 2008

Prece para aconchegar minha filha

para Carolina

Mãe eterna salve minha menina,
Sua filha altiva e merecedora,
A que floresceu toda, mulher por inteiro,
E hoje encanta este velho fauno
Seguidor da Deusa e de Dioniso,
O eterno amor divino.
Aconchegue, Senhora essa alma feminina
Que obstinada procura nas suas entrelinhas.
Que descobriu nas faces de sua lua o que é amar
E feliz chora plena de sangue, saliva e desejo.
Amo essa minha filha e por ela peço.
Dê-lhe força mãe, pois é ela
Sua mais amável e terna herdeira,
A justa forma cristalina de ser mulher.

11 de junho de 2008

Ímpeto II

Neste entardecer quase em brasa
Fui tomada por um indesejável
Silêncio de línguas repousando,
Letras descansando sob a ponta do lápis
E pensamentos, que de tanto acalanto,
Adormeceram...

Na varanda,
Sem outra opção a não ser permanecer,
Deparo-me com intervalos, pausas, ausências.
Consumo-os com uma voracidade toda humana
De ser e estar em cada coisa.

E sinto no silêncio incômodo
Uma presença quase sagrada
Poesia me espreitando,
Inusitada, límpida, divina,
Por entre as cortinas entreabertas
E rimas que nunca uso.

Então observo...
Um andar vagaroso, quase próximo...
Uma procissão de letras em palavras descrentes
E de repente vejo
(Com olhos profundos por se saberem urgentes)
Um sorriso no canto do lápis...

Tudo o que pude

Dos momentos incertos onde dizes 'não'
à praxe dos dias em que te calas, ausente,
aguardo que despejes um 'talvez' oblíquo
no instante eterno onde espero um 'Sim'

Ao tilintar das esmolas dos teus gotejos
e à glória abençoada dos teus lampejos
dediquei desnudo minhas noites em claro
e sonhei, voraz, cada um dos nossos dias

Apontaste-me a praia mas rumaste ao ermo
Diabos ao mangue! O que procuro está aqui,
no sal da tua boca, na maresia de tuas coxas:
Eis aí Meu Oceano, a orla de meus desejos!

Recuso-me a ouvir tua sinfonia morosa,
Tuas ondas contidas a bater nos corais
Presas aos escolhos de tuas 'escolhas'
e às carcaças roídas dos velhos naufrágios

Na taumaturgia de logro de teus desesperos
evocas em vão a ressureição dos mortos
e despertas não mais que rotos fantasmas...
Por que não a mim, que adormeço em ti?


Como crer-te, Impiedosa?


Cala-te por suspiros, a convicção da tua voz perece,
refuga, pois vem de teus Deveres e não de Quereres.
Tuas gotas salobras molham os dentes de plástico
com os quais dás Adeus e sorris, sem crer

Por que não tiraste o Grão do sepulcro
e plantaste no solo quente desse abraço?
Ignoras? Semente não brota em concreto
nem as Mudas, tuas, de tua dor viverão.

Pois entrega-te ao embaraço de teus dias
à geada eterna de tuas noites infindas
Deita-te inerte sobre o mármore frio...
Mas o Amor não blasfemeis, tu e teu medo da vida.

10 de junho de 2008

A face 1 - Recorrência

Encantam-me seus contrastes, todos...


Um olhar, um semblante, uma mágica qualquer
Capaz de um instante transformar em arte,
um sonho em slide e rotinas em tintas.
Ela, pigmento oscilante, furta-cor, furta-paz.

Comigo há décadas, num vago silêncio que sugere sem dizer.
Suas reticências, suas incertas origens e suas incógnitas

traduzem impulsos, desejos e posse indistinta,
magnetos da fome e do ferro em meu sangue.

Tal criança faminta, tateio no escuro
pelo mamilo de seus trejeitos,
pela urgência de suas dúvidas
e pela mácula em seus lençóis.

Encontro-a em rostos e caras furtivas
e, por um momento, em ti quase creio.
Desvelo, incinero e encontro a mim mesmo,
a reter imagens num espelho (diante do qual ninguém há).

Quero. Quero e respeito seu estalar de dedos.
Eu, soldado ilhado num bunker qualquer,

onde notícias da guerra demoram a chegar,
obedeço sua ordem sem jamais ouvi-la.

Sonâmbulo a postos:
Deitado sobre o telégrafo,
balbucio seu nome sem sílabas
e adormeço.

De onde está, sente meus dedos ávidos?
Adoçam-te? Roçam-te? Eriçam-te?
Dizem-te de mim mais do que eu?

Ouve-se nós? Houve nós? Haverá?

Diga. Qualquer coisa, mas diga.

Espere...

Espere, sou como uma criança
Querendo estender minhas mãos
Para você, meu amor doce!
Oh espere, sim, ai de mim.
Até parece que está comigo,
Que me conhece bem!
Que vai me beijar agora,
Segurar meus quadris pedintes...
Vou fugir de você!
Não devo me entregar.
Ai! Estou chorando...
Sei o que devo fazer!
Quase me perco por amar você,
Mas não! Sou uma iconoclasta!
Antes quebrar minha obra íntima,
Os cacos de minha fantasia de louça,
Que estar doente de um desejo vazio.
Pode deixar, amor,
Posso deixar você. Um beijo ardente...

9 de junho de 2008

Quem és em mim

É tarde da noite e mesmo assim
Tento ver quem és dentro de mim...
E insone por teimosia pura
Fico só na madrugada escura.
Tu estás ternamente em meu poema,
Na voz doce do telefonema,
No amor digitado em minha tela,
No escolho do mar que te revela
A fêmea triste a chamar no vento.
Tu és minha paixão e meu tormento,
A força que me põe de joelhos
A buscar através dos espelhos
Teu colo que sem poder desejo,
A boca que pede ardente um beijo,
Teu regaço, a gruta úmida e quente
Que é meu delirar incandescente...
Tudo que na solitária hora
É esse louco amor que me devora.
Tenho que fugir, mas não consigo!
E por te querer ainda te sigo...
É tarde da noite e mesmo assim
Quero ter quem és dentro de mim...

8 de junho de 2008

O futuro no pretérito

Cantem poetas do amanhã.
Ossos partidos, cabeças abertas,
Enquanto houver signos,
Vibrem vozes voláteis,
Pulso elétrico, vida.
Eu, do fundo de um oco,
Abandonando meu corpo,
Sonho de uma trepada sem tréguas
Fugirei num grito, eco de meu mundo
Sobrevivendo da terra
Nos crânios evocados do futuro.
Hábitos amargos do amor contido,
Estarei nas suas entrelinhas, poetas,
Num longínquo futuro, sob estrelas,
Voltando para uma casa inexistente.

A Última Fronteira

No fim de qualquer mundo
Há uma tristeza intransponível.
São os fins em si mesmos,
Como os mortos a esperar placidamente em nós.
Nosso tecido puído esgarça-se, dissolve-se,
Perde-se na rudeza de se saber pó.
Nada mais há que a absoluta linha inexeqüível...

O homem é um ser a ultrapassar a si mesmo.
O que veio para se superar entre o ser e o não ser.
Inevitavelmente estará nu diante dessa fronteira,
Essa angustiante marca entre mundos.
De repente a neblina se abre sobre o precipício
E só o que se tem é essa tranqüila melancolia,
Essa fluidez sobre tudo. Desistir aos poucos.

Dar direito ao espírito de se deixar ir.
O caminho traçado, queiramos ou não,
É esse retorno inalcançável, quase intolerável:
Integrar-se à unidade, ou ao zero, no fim do fim.
E a alma, essa desvairada, querendo brincar, brincar...
Brincar enquanto a eternidade como uma fotografia,
Esvoaça por sobre a última fronteira desmanchando-se...

Choro. Por um momento choro angustiadamente.
É tão desesperador descrer! Depois me abandono,
O olhar sobre o abismo em todas as direções,
O olhar que num instante já nada vê, nada pensa
Pois não vai existir minha essência.
Choro por tudo o que de belo conheci
E que se desmancha ao ultrapassar o último momento.

Todas as pessoas, todos os lugares, toda a arte,
Todas as dores, todos os pensamentos, todos os atos,
Toda a consciência a tornar-se inútil...
Venha, pois de braços abertos, beleza eterna do acontecer,
Venha e então me tome e desfaça em mim o ato de ser.
Nada mais, só entrega, só essa linha infindável,
Intransponível, claramente indizível entre o ser e o nada.