30 de março de 2009

Poemeu meio pós-moderno...



Urra o sapo rei:
Meu pai foi boi?

Sei, não foi
Foi? não sei...

Grita a perereca
Do mundo de fundo da mata espessa:
Seu pai foi sapo!
Nada de mais,
O resto é papo...
Esqueça!

E a saparia na cantoria embotada:
Sei, não sei, sei não sei..
Só sei que não sou nada!

ôi, não vi, ou foi, meu rei...
Sei, não sei, foi, não foi
Sei lá que ouvi...
Águas passadas...

Beija-flores



Essa MULHER gosta de voar.
Mas não é com asas, pois não as tem.
Como dádiva, ou por mágica, não sei bem,
Talvez por amor à vida, ou porque vive da fé
E por um anjo é protegida,
Possui sandálias nos pés
Revestidas de amáveis beija-flores.
Eles a levam pelo ar e ela lhes dá seu mel
E assim trazida, vai num sonho de cordel
Vencer o céu e suas dores com desejos de donzela,
Um doce néctar a medrar de seus amores,
A descer por suas pernas belas
Aonde vem os colibris tão beijadores
Fartarem-se do gozo dela...
Eu a vi, eu a amei.
Eu a protegi e ainda a protegerei
Em seu alçado vôo de buscas
A vencer mágoas e dores
E a entender quem ela é!

Meu Rio Doce

Vem ter comigo minha fábula,
Entrega-te nua, tua alma-sopro de menina
A atiçar meu desejo e tua sina.
Escreve teu nome com o fogo de teu sexo em minha rasa tábula!
Vem meu sonho velado gritar por mim, por meus braços
Em tuas movidas ancas cravadas de vontade de meus olhos baços.

Desarma-te e entrega-te a mim que te amo inteira
Pois teu doce rio a escorrer por tuas pernas de amorosa fonte,
Há de me saciar de ti quando eu beber aos pés de teu sagrado monte.
Vem, filha da deusa da espuma, vem carne sagrada e verdadeira,
A marca desse represado êxtase a agitar meu pensamento.
Tua alma consente e meu coração está a te chamar no vento...

Em cada noite

Em cada noite que te amei
Estava também a dor de te perder
Sempre sussurrada pelo fauno de pedra do nosso jardim.
Gravou-a em lápide sustentada a seus pés
Para bem me lembrar
Não por mal, apenas por lucidez.
Ele ecoava em mim essa dor
A rememorar e a murmurar, murmurar
Até o dia de tua partida, quando então se calou,
Mudo agora a dividir a perda que restou comigo...

poema de Antônio Fernando Stanziani

Noturno

A lua está de corpo inteiro, nua e alta...
Derramada em todas as paragens,
Tinge tudo de prata.

É noite de verão! Toda a gente e os insetos
Copulam em estranhas revoadas!
Cio quente na amálgama da madrugada,
Entrelaçam-se e entregam-se
Em todo ponto de lume, nas casas e nos guetos,
Nas camas desarrumadas e nos tetos
A perpetuar, nas atiradas gotas de prazer,
A vida por continuar.

Notívago sou nesta cidade,
Miríade de passantes e penares...
Dispersa na diáfana luz sobre as calçadas,
A poesia resiste nua no compasso da lua.
Vivo de ver, a vista desarmada
Na hora morta pelas ermas encruzilhadas.

Procuro um rosto em minhas sombras
E minhas negras asas pairam silentes.
É nada mais que um vulto, devaneio,
Mas teimo em perscrutar em meu planar solitário
Mergulhado no hálito morno dos becos da escuridão,
Daimon soturno e esquecido que não dorme mais.

Em todo meu movimento,
Crua dor padeço em desalento:
O fogo fátuo das paixões caladas,
As bocas entreabertas desejadas
E todos os apelos da alma incansável
Que, na geografia dos quereres,
Entrega-se inconseqüente
Entre a carência e a plenitude.

A Flexa

Alvo do desejo, óleo da avidez, selo do destino ermo da semente
Ao léu lançada pela força do deus da carência e da plenitude,

A flecha de Eros é isso: o suor, o prazer, a dor, a fome ardente,
O abandono da paixão a torcer entranhas e a desmoronar a quietude.

É querer unir em desatino num só corpo águia e leão, vampiro e gente,
Tensão entre lucidez e demência, união entre a diferença e a similitude.