28 de abril de 2009

Noturno 17 - Outono urbano



Escura noite riscada de luzes,
A lua já não está lá,
A rua já não tem ninguém lá
Os fios tensos estão vazios
O andarilho fugidio já lá não passa...
O céu sem brilho, denso de nuvens e fumaça,
Véu disforme e penso, empoçado de baixios,
Cobre-me.
Luzes lisas, frisos dos lumes artificiais,
Boatos e sons fractais,
Frio da cor de betume...
E eu insone e quase imune
Espreito.
Na lua cheia ida,
O verme já não passeia mais!
Fecho a janela da aberta ferida
E desmancho-me:
Mesmo eu já não encontro meus sinais...

Psiqué II
















Meu corpo está deserto.
Desço ao meu inferno e destroço-me a buscar meu segredo
E em meu degredo fico vagando incerta
A esperar que venhas resgatar tua mulher.
Meu nômade estrangeiro,
Hoje tua alegre visita me salvaria do jugo de minhas entranhas.
Minha alma geme triste e prisioneira
E a sujeira sob as unhas de um deus amável é só o que vela por mim.
Nua, desencontrada e esquecida qual mariposa evanescente, arrefeço...
Mas se teu beijo eu tivesse, amado meu,
Se ainda pudesse senti-lo em minha boca,
Ascenderia em vida aos trigais abandonados de minha seara.
Dar-me-ia toda ao teu arado, feliz por me quereres.
Desentranhada de minha descida, revelada de minha sombra,
Abrolharia apossada de mim, armada de mim, senhora!
Ah vem ter comigo, meu homem terno. Toma-me toda
E ama-me que essa é minha remição, aquilo que me faz inteira e tua!

Interditos

Chove.
Tudo é névoa,
Força d’água, coito acabado e úmido.
Chove num outono a afastar minhas respostas.
E tudo está prestes a dormir, morrer, deixar de ser...
Caio, água-sêmen, fruta da minha carne,
Vida & morte.
Tomo o chão, descaso, encharco-me,
Coagular-se & dissolver-se.

Quem sou, saudade?
Quem?
A viver da melancolia de perdidas lembranças,
Tudo é tão irreal, tão incrível...
Não consigo amealhar pensamento
E sou absorvido por todas as mínimas frestas
A desvanecer...
Alma cansada, cedo à hora morta
Triste e sem saber aceitar!

Que virá depois do derradeiro céu?
Quem serei quando a tênue linha
A separar meu ser de mim se desfizer?
Não sou quem fui, não serei quem sou...
E, percebo, o país das maravilhas não existe
Nem mesmo atrás dos espelhos.
Abre-se o negro céu, estia...
A alma recosta-se diante do abrolho
E a estrela polar brilha estática sobre o nada...

13 de abril de 2009

Noturno 14 - revoada


Madrugada fria, asfalto molhado.
Acima da luz de néon,
Casa noturna, asas soturnas...
À noite, às vezes,
Os Ícaros perdidos
Vêm, amáveis vampiros,
Rondar na escuridão
Com saudade do sol
E lágrimas de água & sal
Em seus imensos tristes olhos!

11 de abril de 2009

Morfeu



Nos braços de Morfeu,
O filho escolhido de Hipnos,
Mergulho em sonhos confusos...
Onde verdade e mentira se misturam
Rostos, Vozes, Imagens, Palavras.

Mas ainda estou desperta,
E nem os mil rebentos do senhor do sono
Me vencem na vigília.
Como explicar a confusão que ainda me cerca?

Terá Morfeu
Vencido a barreira entre os dois mundos
E vindo sentar-se ao meu lado
Fecundando também a realidade
Com suas ilusões e delírios?

6 de abril de 2009

E se for verdade?



E se for verdade?
E se a cabeleira de Andrômeda vem mesmo ao nosso encontro?

Imagino-me com meu amor e seus fios entre os dedos
Um instante antes de morrer.

E se assim for?
Hoje não parece provável; estou mais doente que só.

É noite e dou-me o direito de delirar
E minha febre é esse instante antes de dormir.

E se for desse jeito?
O sorriso de Andrômeda em mim e eu em seus cabelos esvoaçantes?

Acabar entre esses fios da imaginação
E amar, antes de tudo o mais, amar.

Andarilho


Com l’anima in pena ti leggo,
O vecchia poesia dun dolce spetro che m’invita...
Andiamo avanti! In breve sarò un ombra anch’io!




A arte é um poço de desejos e angústias.
Movo os olhos de quereres e nada vejo!
Andarilho entre as obras dos homens,
Serei órfão de um barco de descobrimentos,
Solitário numa praia de fantasmas.
Seis horas da manhã...
Penso em desistir,
Mas no calor tropical de Capricórnio
Andarilho, não descanso.
Não encontrei minha última epifania,
Somente angústias e presságios.
E a morte é uma fêmea de longos cabelos pretos
E olhos fundos a me fitar.

Balalão

Bom, muito bom e demente,
Motor do querer da gente,
O amor é uma pesada leveza
Em todo vidente coração.

Espelho partido



Tu que me criticaste por eu não corresponder
À primeira imagem que de mim tiveste,
Mal sabes que era esse meu maior presente:
O que de mim consente acrescentar a ti mais do que viste,
A novidade que criaste do que eu seja.
Vê: a culpa de não me teres mágico assim,
Esse brilho apaixonado que me deste,
Não é minha. Nunca fingi o que não sou.
Se a velha escultura de teu engano desmoronou,
Foram teus olhos que viraram a página.
Eu não menti no que prendeste em tuas retinas.
Vai e segue teu próprio brilho enfim.