26 de agosto de 2009

O enigma dos amantes




Noturnas migrações, os nódulos de minha mão nômade
Alcançam teu ventre nu.
A palma em concha, detenho em teu pequeno monte feminino,
E escrevo com meus pousados dedos de poeta,
Delicadezas no papel-carne de teus grandes lábios.

Intumescências de fonte a medrar quente e lúbrica...
Por tuas trêmulas cochas entreabertas, teu querer de fêmea
Aflora com minha língua em leque em tua terna gruta.
Toma-me inteiro a hora em que beijo a vermelhidão de tua urna
E bebo sôfrego desse cálice derramado de prazer.
Sou teu arado, minha doce amante, vulva roçada em cio!
Agarro-te pelas suadas ancas diante de teu olhar pedinte,
Teus dedos crispados em meus cabelos,
Teu gosto, teu cheiro, teu calor, teu grito...
“Devora-me-te” que te decifro sem saber mais quem sou.

25 de agosto de 2009

Argonautas



Neste dia infindável em que meu barco navega lento em calmaria
E distraídos ficamos a fitar a monotonia do horizonte,
Conta-me um caso, um fato que remonte a um tempo diferente
Que dê motivo ao meu viver inconsistente à espera de tragédias.
Enquanto no morno mar sedoso, jaz o galeão em rédeas d’água entorpecido,
Conta-me como num remoto tempo ido viveram aqueles que venceram deuses...

Era uma vez... Era eu uma vez...

Ah quão mais sentido faz suster firme o leme em meio à tempestade
Que empurra a nau à deriva e agarrados a ele com temeridade não cedemos...
Dispara o coração! Homens, velas e remos, apenas um propósito: manter o rumo!
Ultrapassamo-nos. Fixamos como nosso prumo o ir para além de nós
E, pasmos de alma gritante, pagamos o preço de estarmos sós na descoberta:
A rota é o que importa, não a chegada! A busca incerta a navegar por ser preciso!

12 de agosto de 2009

As mãos sujas do poeta




I
Em minha saliva
O sabor agre e amargo
De Alexandria em chamas
É pura memória...
Falso!
Eu nunca estive em Alexandria
Ela é que está em mim
E eu ardo em febre!

II
Sob a luz vermelha das labaredas
Meu rosto em lágrimas vê,
Passado em páginas de papel couchê,
A pobreza de Roma incender-se de casa em casa...
Mas não há mais que uma agenda e uma caneta
Em minhas mãos,
Não há mortos
Apenas minha alma que se abrasa insana!

III
O fogo faz ruir duas torres em NY...
Tragédia na televisão, choque dos aviões,
Terror & gozo.
Meu olhar atônito é como sonho em carne viva!
Meus braços estão mergulhados em sangue inocente
Por todos os séculos... Mas,
O amor está numa secretária eletrônica
Para o mundo todo ouvir
"quero que saibas: te amo, te amo"
Eu alma, eu testemunha, eu escriba ouço...

IV
Cairá Paris também em fogo num incerto futuro.
Muros a derrocar por meus ossos mortos.
Um pensamento invade-me:
O que estará devastado será o que sou hoje
A afogar em meu poente lacrimal!
Renascerei das cinzas? Quem sabe...

10 de agosto de 2009

Caixa de Música

poema de Adriano Francisco Geraldo


Mar português de lágrimas caboclas
Abrasileiradas línguas náufragas
Como uma manhã num escorregador
Dum parco e pascoso parque de lembranças musicais.
Caixa chinesa que sonora explica o plano e o verniz
Lado de dentro das coisas.
Uma bailarina de plástico dança...

5 de agosto de 2009

Bordadeira

poema de Adriano Francisco Geraldo


Bordadeira da carne,
Passados os pelos do meu corpo
Pela cabeça de alfinete da alma tua,
Costurei teu silêncio mal feito...
Para rasgar de dor não te castraria
Nem te pouparia de tal beleza!