27 de abril de 2008

Noturno 11 - A rosa

Para Adriano & Denis


Andarilho sem rumo,
Um prumo a oscilar infiel no barbante,
Vago sempre, errante pelas frias madrugadas,
Entre os boatos da cidade vadia que não dorme.
É que os bobos da noite também não!
Estão a buscar...

Uma vez, numa antiga encruzilhada,
Olhando os carros a ir e vir,
Ali no chão de asfalto gris,
Vi uma rosa escarlate!
Assim, de repente...
Úmida no meio da rua, inteira,
Quase um disparate, jazida filha de lua,
No limiar de minha fronteira,
Estava lá a me pertencer.
Era minha rosa escarlate.
Dei por mim na beira da calçada.
Meus enganos, meus delírios,
De repente nada mais importava.
Tinha sido arrebatado.
Ali era o fim e o começo,
Minha monção, meu ingresso:
Ali estava a escura rosa escarlate e eu,
Eu na instantânea epifania.
A noite tem dessas surpresas...
Carros, passantes, ecos e boatos,
E os bobos vagando insones e teimosos,
A garimpar eternidades.

26 de abril de 2008

Noturno 02

Para Denis

A estrada é o ir e vir de meus enganos.
Noite adentro é nela que vou desenrolar solitude,
Desvendar enigmas e criar delírios.


A luz amarela é de sódio mas pouco importa.
São fios de ouro falso nos olhos transeuntes e em desatino.
O reflexo do asfalto molhado é um vertiginoso céu sob o carro.

Presságio após presságio, equilibrista sobre o espelho,
Desafio maquinalmente minhas falsas impressões pelo caminho,
Enquanto a fluorescência oculta todos os mistérios.

25 de abril de 2008

Noturno 10

A noite enlaça a calçada morta,
A rua a soar ecos incertos,
E os passos perdidos.

Estranha hora essa,
Ilusória e selvagem de lamber feridas,
Quadros a despencar no escuro.

A hora do amor foi-se embora,
Ficou a vaga dos pensamentos,
Fantasia entre cacos de realidade.

É tudo como um grande engano,
Um tropeçar nas próprias pernas,
Memórias apagando e ir-se, ir embora.

Suspensas no andar de cima ou no porão,
As alusões, as verdades, as paixões, os beijos,
Tudo é cinza e amarelo, boatos improváveis.

A noite é cheia desses sons distantes:
Carros, latidos, silêncios gritantes,
E uma estranha dor de estar aí, no lodo da consciência.

NOTURNO 15 - “Metrópolis”

Abre as pernas de cimento e luz, imenso amor
E eu, andando entre teus lixos, vou me libertar
Beijando tua boca de ruas e cáries,
Língua de bares e mictórios.

Destrava a porta dos desejos,
Teus lindos olhos negros de cafetina doce,
Enlaçada às estrelas com teus braços de fumaça,
Um dia do caçador outro da caça.

E eu, pensando ser teu único amante,
Correrei tua vagina de cabarés
Engendrando em teu ventre
A semente de meus próprios enganos.

24 de abril de 2008

Último ônibus

Rodoviária, meia noite, espera, último ônibus destino São Paulo.
Policial de sacola espera, olhos de areia, próximo dia São Paulo.
Mendigos incomodados no sono em bancos de concreto, a placa, São Paulo.
Sanduíche frio, coca e calos, cigarro, demora e São Paulo.
O guarda da estação, a salvaguarda dos costumes circulando, São Paulo.
A pasta e os livros, pedaços do dia e do século querendo ir para São Paulo.
Embarque para São Paulo em cinco intermináveis minutos.

NOTURNO 09 - Os gatos pardos da noite

Monstros alegres vieram bater tapinhas nas minhas costas
A pedir por mais um copo, mais um gole, mais um cigarro,
Mais uma noite agridoce, mais um trago, mais uma vez entregue,
Totalmente entregue a beber cicutas com açúcar,
Envolto no escuro véu...
Criaturas de mim, sombras que me olham e vêem como sou
Vieram amáveis a rir por mais e mais, com tapinhas suaves
Nas minhas cansadas costas!

22 de abril de 2008

O Beijo


Beija-me.
Instante eterno, meus lábios contra os teus.
Teia fêmea em mim, língua contra língua,
Amante minha quente, a demente certeza
De ser eu o caçador e a caça.
Beija-me.
Abraça-me. Toma-me como teu.
Dá-me teu colo, pulsante,
Loucura e abandono em teu corpo nu.
Leva-me por tua pele morna e úmida
Buscar sem trégua a fugidia felicidade
De ser teu desejo e meu querer.
Abre tua fresta de delírios, o céu de meus sonhos,
Cálida e suplicante, latejante e túmida,
Mito que me põe em êxtase na vertiginosa dança
De ser eu a espada e tu o cálice,
De bebermos juntos o vinho do prazer,
Teu corpo em mim, meu corpo em ti...
Beija-me.
Dissolvamo-nos em um e ninguém,
Enlaçados, tontos, aconchegados...
Descansa então aqui comigo.
Juntos, nus, suados, plenos, entregues,
Bobos de amor como os amantes devem ser...

18 de abril de 2008

Espelho, espelho meu...

Um ser parido na hora da conquista,
Eu, poeta, rei, filósofo, alquimista,
Fui também o bobo, o ingênuo, o estúpido,
Um anarquista que rasgava dinheiro
E ainda, o canalha, o capataz, o fascista,
A puta, o malandro, o lobo na pele de cordeiro.
Vagando no nevoeiro, um eremita,
Um equilibrista no fio da navalha,
Quem ainda sou sem eira nem beira,
Alma de artista na poeira?
Tudo e nada nas malhas do acaso.
Meta desencontrada, metáfora desaforada,
O anti-herói que se perdeu,
Triste herdeiro de Prometeu...
Eu...Eu! Alma que ainda assim perdida não desiste!

Tendo vivido sem me dar conta,
Perdi-me em descaminhos, afrontas,
Ninhos, portas por abrir, lugares para não ir,
Horas mortas, dores, amores, anseios...
Vim numa semente pronta para resistir
E fiz refugio no seio de minha amável prisão.
Um refém de mim, fui tantos e ninguém,
Um fado de herói que não se cumpre.
Cego a tropeçar em meu enredo,
Desde cedo tentei remediar meus passos.
Eu, um arremedo de mim sempre menino,
Errando com medo e desatino abri meus braços
E amei, coração tão destemido de leão, nunca crescido,
A lealdade como marca de um desajeitado destino.
Eu... Eu! Filho desgarrado dos deuses que ainda insiste!

Um viajante que não parte, um artesão sem arte,
Uma escolha para o descarte, o que não dá certo.
O que está perto de acontecer e espera,
Fauno velho, meio homem meio fera
A doerem-lhe os ossos as coisas por fazer.
Quem me dera saber! Mas amo! Amei e amo.
E mesmo adoecendo de meu mal, não me vendo.
Homem lindo e horrendo, animal e humano,
Chamo na lua cheia pelos nomes da paixão.
Na solidão estou acompanhado de bons fantasmas.
Quem são eles no meu espelho? Jovens, velhos,
Machos e fêmeas, a imagem que escureceu,
Meus amantes, meu mundo que emudeceu,
Prisioneiro dos vales sob o céu,
Eu... Eu! O homem acorrentado que às suas penas assiste...

Vendo-me morrer sem tino,
Procuro-me em vielas, pontes por atravessar,
Lugares em que estive a observar horas idas.
Quem sou, então? Grão a querer mais da vida,
E que não tem como libertar seu espírito?
Fui ninguém e vesti todas as máscaras que pude,
Sempre a me fechar em meu segredo.
Neste emaranhado tentei inscrever meus sonhos
E num degredo de mim sem descanso,
Voando com o coração manso de um antigo pássaro,
O ser como carga de um derramado acontecer,
Tornei-me um devaneio sublime e medonho,
Aquele que não sabe exatamente a que veio
O que deseja e ama em meio do seu padecer.
Eu... Eu! Filho desarmado dos deuses que ainda resiste!

Nem Mesmo Nu

Nem mesmo nu consigo estar contigo.
Não é por teu enigma mas por eu ser outro.
Alma na lama, é meu estigma ter o corpo de pó.
Comigo também não estou porque sou só.
E padeço da vontade de viver.
Meu amigo desfigurado e sem abrigo,
Olho-te e não me desvendo,
Continuo apenas sendo um nó a desatar de ti.
Eu tento, ó sim tento!
Enlaço teu corpo e me calo,
Embalo em nós o que não somos,
E é por isso que te solto.
Talvez de nada valeria:
Tocar um corpo já é iconoclastia.
Mas não, insisto e te abraço novamente.
A alma vadia consente
Estilhaços de amor em nossa poesia.

A santinha do Caribe

"A carne é sagrada; obscenos são os que matam em nome de Deus!"

A verdade não existe.
A verdade negada em pântanos putrefatos,
Efervescências de tropicais Espanhas do esquecimento,
Verdade de teus olhos e cabeleira prometidos à virgem mãe,
É a que toda visão pequena deseja e não existe.
Entre insetos e aventureiros, deuses negros, pagés índios
E religiões de crucificados, tua possessão mágica,
Estigma de ter nascido num país prematuro, americano,
Tornou-te incompreensível, mesmo se óbvia.
Judeus, inquisidores, nativos, colonizados e colonizadores,
Os homens não entenderam
O sangue selvagem dos cavalos de dezembro,
A quebra da empáfia estúpida dos medíocres
Que vivem a parir preconceitos em suas mentes de esterco.
A verdade é olhar ileso como um recém-nascido
Entre fogos fátuos da filosofia dos ancestrais.
É um mergulho na lama do pensamento humano
E emergir sem ondas da plana e oceânica sabedoria.
Tenho fé nos teus cabelos e nos teus colares africanos,
Mas é tarde,
É muito tarde, muito tarde. Amo uma santinha morta,
Quase inexistente num velho século de novas indecências,
Do meio de meu charco pútrido e humano.
É muito tarde, alma, muito tarde!
Mas quem sabe...


Poema inspirado no livro "Do Amor e Outros Demônios"
de Gabriel García Márquez

15 de abril de 2008

Sonho

Voa, alento, sonho antigo.
Alivia docemente a dor do ferrão
Cravado em meu coração silente,
A paixão de ser um amante ardente
Que de tão atento se perdeu!
Vai a esmo no vento, a levar-me contigo,
Sai de minh’alma errante, flutua,
E tece o melhor de mim.
A foice escura chegará certamente
Um dia.
Mas até lá, por ti já terei vivido.

10 de abril de 2008

Quem sou




Eu sou poesia
Nua na calçada.
Pólen de tempo,
Dúvida do altar,
Perfume que não se explica,
Sou fruta da terra,
Pó de asa de anjo,
A mãe da semente
Caindo entre os joelhos...

Sou noite e sou dia,
Prostituta e sacerdotisa.
Colo meu que contemplo,
Espelho de duas imagens,
Desejo de amar,
Desejo de morrer.
Lume que em meus olhos fica,
Sou a gruta que espera em êxtase
O naufragar dos amantes.

Sou a palavra, a fábula,
O disfarce da verdade.
Despida véu a véu, sou corpo,
Alma na lama, sopro e carne!
Sinto-me como a filha escolhida,
A que brilha alta e resoluta em meu céu,
E a fêmea obscura das minhas entranhas,
A vida ávida, grave e geratriz.
Eu fui, eu sou, eu serei a busca.

Amante

Não amado meu, não se atreva,
Engane-me, mas não me deixe.
Agarre meus seios nus com mãos em concha,
Meus olhos a desejar, suplicantes
E beije essa terra de ninguém
Até que eu desfaleça, caos de amor,
Sexo exposto, pernas abertas do meu mundo,
Minha boca de todos os lábios,
Meu gosto de mulher.
Não me deixe!
Engane-me, mas
Diga que me ama!

8 de abril de 2008

Alguns lugares eu não conheço

Não é sempre!
Mas a gente continua querendo de novo.
Fui praticando um manual de vôo que li um dia.
E voei.
Sonhei que vi o mar e conheci estranhos precipícios.
É um mistério que sempre me persegue:
Como seria bom se lá houvesse algo
Apesar do medo do desconhecido...
Uma madrinha ou um anjo,
Disse-me algo que não entendi, pediu alguma coisa,
Não sei.
Teorias das mais recentes,
A partir de uma ciência qualquer, estão a tatear.
Um corpo é só um corpo, ou há outras verdades
Mas deve existir algo além do corpo ilusório.
Talvez um monte de interstícios,
Imaginei!
Mas eu não quero provas e sim percepções,
Multifaces de uma só consciência
Sem pensar para não se confundir,
Útero de vazios contidos no pó,
Vislumbre da clareza da alma,
Experiência de chamãs a não pensar nisso.
Saber transitar, voar sem medo e sem corpo,
Uma entrega entre as faces da divindade.
Um dia voei por um manual de vôo...
Viver, morrer é assim:
Não dá para saber como!
Só o que quero é continuar voando.

Tempo de areia

(Um poema para Vanessa)


Sobre os muros,
quase sussurros...
Entrevejo o mundo
e, no rodopiar, desejo
e vou atravessar, sob o pó,
o tempo. Quase...
Grandes nuvens de poeira
Erguem-se das unhas
Com as quais cavo,
quase escravo de um ensejo:
Ser um grão de pó numa antiga ampulheta,
varando como um anjo o corpo de vidro;
a borboleta que, ao sair do casulo rompido,
inverte o relógio de areia.

3 de abril de 2008

Os Mil Anéis

Os mil anéis de teu cabelo preso,
São labirintos de meu caminho. Ninfa,
Com teus pés de fada, vais de mesa em mesa,
Num derrame de cerveja e toda a gente a conversar.

Flutuas encantada nos meus olhos
E não estás para ninguém com teus segredos.
Sem que saibas alimentas um velado desejo
Mas a angústia é só minha e vem de me degredar.

É noite e parece sempre a mesma noite,
A não ser por eu teimar em te seguir,
Teu cabelo negro em mil anéis,
Preso como eu mesmo a me iludir.

Os amigos a desenrolar meadas de casos e bobagens,
Discutem importâncias e conhecimentos.
Já eu, tão estúpido e vazio, tão vadio e sem comedimento,
Sigo teus pés dentro de meu cio, nesse teu louco vai e vem.

Fiz um pedido: copos, por favor, e aguardente,
Meu coração silente e desarrumado espera
Enquanto fica sem dizer que eras seu devaneio
Em meio à torrente a represar em mim.

É noite e parece sempre a mesma noite,
A não ser por eu teimar em te seguir,
Teu cabelo negro em mil anéis,
Preso como eu mesmo a me iludir.

Como Alice num sonho de verão, caio num poço de entrelinhas
E vou percorrendo idiotices entre meus próprios armarinhos.
“Um dia não acordar mais e ser prazer e tolerância.”
Talvez ter mais alguma efervescência, mas acordo em ti.

Sou um gato evanescente, reticente sorriso. Tornei-me oblíquo,
As simulações varam horas e eu, raso, finjo estar só.
Bebo com os amigos e flutuo, mas despenco e recuo sem aviso.
Parei de ouvir; só quero estar nu num velho jardim.

É noite e parece sempre a mesma noite,
A não ser por eu teimar em te seguir,
Teu cabelo negro em mil anéis,
Preso como eu mesmo a me iludir.

Algo em mim me é totalmente estranho;
Estou triste como um velho e achacado fauno
A buscar o elo sagrado entre os homens e não entre os deuses.
E não encontro mais que vestígios do que foi esquecido.

Olhar obscuro, nostálgico, profundo e ausente,
Vejo fetos que morrem sementes pelo mundo sem futuro,
Cópulas estúpidas e dissimuladas, gente-máquina, ávida,
A beber fodas como meros copos de aguardente.

É noite e parece sempre a mesma noite,
A não ser por eu teimar em te seguir,
Teu cabelo negro em mil anéis,
Preso como eu mesmo a me iludir.

Há um peso em meus ombros que me curva,
Um remoto desejo motor a não querer morrer.
Meu chamado é um murmurar desencontrado e lento,
A percorrer desatento uma trilha sem rumo.

A hora é cada vez mais improvável e eu covarde e pequeno,
Amo teu corpo moreno por decorrência, fresta, demência,
A egoísta expressão do próprio umbigo, centro do mundo,
Quero ir e não consigo, encontrar-me entre meus escombros.

É noite e parece sempre a mesma noite,
A não ser por eu teimar em te seguir,
Teu cabelo negro em mil anéis,
Preso como eu mesmo a me iludir.

Da Morte, Poema I

Sinto-me só diante dos olhos da morte.
Fria, inevitável, óbvia,
A mim se tornou mais real do que nunca esteve,
Pensamento a pensamento, dor após dor.
Fere-me essa intransigência da carne,
A perda de meu orgulho, o esquecimento,
O passar de cada noite.
Os olhos da morte estão a me fitar no tempo,
Esse olhar sem rosto, paciente e silencioso.

Não há o que desfaça o traçado dos dias ao seu encontro.
A trama do tecido vivo varia, a teia é carregada,
A urdidura dos nós é imprevisível, mas seu rumo,
Claro e certo, é como respirar sem propósito.
Os olhos absolutos da morte...
E vou tatear no bordado dos caminhos,
As escolhas às cegas, os movimentos e os medos.
Busquei paixões arredias, tive visões em relâmpagos,
E as ilusões de um coração “incansável”, a se cansar.
Que arrependimento, que ideal, que fim, nada.
Não há sentido na vida a não ser viver.
Entre meu nascimento e minha morte, amo.
Resta-me acenar calmamente para a morte todo dia.

2 de abril de 2008

Emergir

Mar, Morno mar,
Escuro mar, Mar de sargaços,
Mar de neblinas,
Pesada maresia
Calmaria monótona,
Dias e noites
De submersão em silêncios,
De mergulhar em esquecimentos,
De desistir, de se abandonar...
E de repente vir à tona,
Escancarar a boca
E respirar, mar de mim,
Morno e escuro mar.

Shakti

Serei eu mais uma Eva a me entregar?


Mais uma simples costela obediente


Que esse estranho Deus criou como coadjuvante?




Ah não! Antes uma Lillith “cheia de saliva e sangue”,


Uma filha da Deusa, mulher árvore e serpente


A descer ao abismo e a subir aos céus todos os dias!

O meu Olhar

Meu olhar é de vida e de bem querer... Será?
Eu, fêmea,
lícita filha, escolhida deusa amante a me entregar,
Os olhos a procurar outros olhos para comungar a mim,
A nós...
Vestida de andrajos, subterrânea de vontades,
Fêmea a buscar quem sou na sombra,
Vejo-o.



E você, lindo amante, lindo e alheio,

Você a celebrar tão radiante minha partida...
Você que esteve em meus quadris,
Você que disse que me amava,
Você que beijou minha boca
Você que acariciou minha vulva,
Livre de mim,
A celebrar tão radiante minha partida...
Agora eu de corpo e alma, outras vestes,

Eu suntuosa,
Outro olhar tenho: os olhos da górgona,
Outra face de mulher, outra deusa.
Meu olhar é de morte e de pedra a desfazer,
A arrancar de dentro
Meu frio e duro amante,
Você que amo,
Você

Que arranco de mim.

1 de abril de 2008

Busca

Procuro Deus
Mas não nos altares, nem nos lugares santos
Nem nas terras dos mortos
Nem nos templos dos Estados
Nem nos símbolos sagrados
Nem nas cruzes, nos sacerdotes
Ou nos livros das velhas religiões.

Quero vê-lo nas páginas arredias,
Nas palavras das poesias,
Nos latões de lixo,
No olhar das prostitutas,
Na teimosia dos amigos,
Na falta dos abrigos,
Nas festas das ruas,
Na solidão dos trens de subúrbio,
No coração dos perdidos,
Nos mares aonde não vai ninguém.

Um Deus que se confraternize
E desfrute do amor dos homens
E que permita que eu o esqueça.