21 de dezembro de 2010

Sereias


Certa vez,
Uma obscura diva de canto sedutor e olhar divergente
Enfeitiçou-me...

E amarrado ao mastro de meu barco sem nexo e sem rumo,
Implorei ensandecido no vento:
Deixa-me estar em ti! Afoga-me em teus feitiços,
E a maga da ilha, luminoso rosto, sorriu longínqua, nua e bela!

Minha nau,
Livre de chocar-se com os abrolhos de meus sonhos,
Cumpriu sua sina...

E eu fiquei a gritar meu desejo enquanto me afastava dela.
Destroços da memória em mim,
Avesso de um náufrago
A boiar em tediosas velhas águas de sargaços...

Meridianos de Papel


Uma carta tem força de correr mundo
A carregar interditos desvendados,
Beijos declarados, despedidas insanas
Instantâneos de fotografia em descrições,
Confissões & Sonhos...
Meridianos
Quais porções narradas de tempo e espaço,
Fragmentos vivos
Em borrões de lágrimas.

Uma carta tem rosto de Esfinge,
Aura de mistério,
Tatuagens de letras dispersas
Grifos em frestas para os deuses,
Gritos nas mudas linhas escritas,
Dúvidas & mágoas,
Chagas de dor vivida,
Dívidas de amor
E todo o desejo de que alguém a leia!

Uma carta pode ser lírica & delirante...
Pode ser lisérgica, lunática, lúdica,
Ou mesmo carregada da mais terna liturgia
Rezada ao pé das dunas de areia das palavras...
Grãos de alumbramentos, encantos, descobertas
E desalentos em desatentos vôos
Da alma que passa, mas que insistentemente
Quer ficar!
Poesia, talvez...

Cuore

“e-motor”
erma dor
a esmo ardor...
Cor
coração
côncavo & convexo
cardeal sem nexo
o amor derramado
da desarmada alma:
A vida
Move-me e dói-me...

Era uma vez, na terra de viés

(Poemas Ingênuos)


Era uma vez, na terra de viés,
Junto a uma fonte, ou talvez um chafariz,
No tempo solto que não passa mais aqui...
Uma linda ninfa tonta de raiz
Que não confiava na voz dentro de si
A repetir infinda “tente“ qual teimoso chamariz...

Assim como um espinho, uma falta de carinho,
Uma sensação de ter caído do ninho,
Vinha com um sentimento cravado no peito
Uma dor, um fundo de coração sem cor,
Um estranho desejo imperfeito
Que gemia por querer um pouco de amor.

Era linda a princesa, mas medrosa como nunca vi,
Porém fibra viçosa de seda ela tinha
Na trama da alma a buscar de si.
Seda macia, fininha, mas que não arrebenta.
Firme e suave a linha
Que as penas do ser sustenta...

Tanto que ela muito podia, bem mais do que fazia,
Mas para crer tinha que ouvir isso de um gin,
Um gênio, um anjo caído, um falso Serafim...
E veio então esse ser, esse velho fauno um belo dia
E mostrou-lhe como era, o que no fundo ela sabia,
Explicando tudo Tim-tim por Tim-tim!

“Tu podes quanto queres, menina: deves fazer e conseguir!
Quebra o engodo de viveres nessa falsa sina,
Levanta, vai à vida, sê toda tua, vai sorrir.
Esta sim é tua história: Ir sem medo da memória,
Acontecer, lutar, seguir
E, de repente, alma despida, inteiramente nua, a fábula cumprir.”

Era outra vez, na terra de viés,
Junto a uma fonte, (ou será que era um chafariz?)
No tempo que não passa de revés...
No tempo do nunca ou do sempre sei lá como se diz,
Uma ninfa tonta de raiz
Que descobriu enfim que sim: iria ela ao certo ser feliz!

Uma pequena história de amor (Poemas Ingênuos)


A liberdade não abre as asas sobre ninguém
Pois não é pássaro!
E o Paraíso é uma antiga morada perdida
E apenas uma vaga promessa...
Em São Paulo então
A Liberdade e o Paraíso são apenas bairros, estações do metrô.
Mas nos jardins do Trianon,
Em frente ao fauno do Brecheret,

Liberdade é o nosso deslumbre com a estátua sem pecado
E o Paraíso é o próprio parque,
Éden urbano no nosso olhar de criança...
E eu seguro sua mão e vamos pela Paulista
Andar, andar e andar ingênuos e felizes
Até o “Alasca” se preciso for!
Lá vamos tomar sorvete e conversar!
Falo de dentes de leão e de roseirais!
Folheamos livros de poesia e nos beijamos...
Para lhe mostrar quem sou, brinco
E você ri! E diz que me ama
E eu sorrio porque a amo também
E então, como o casal liberto do Paraíso,
Ajudamos um ao outro a atravessar nosso Mundo...

27 de junho de 2010

Faz


Faz frio em Sampa,
Mas em mim faz mais...
Faz saudade de outras noites,
Quentes madrugadas...

Faz tempo que daqui
Mandava devaneios nas palavras...
Abriu-se um vazio em mim
Sem as letras que lhe dava.

Faz um eco triste essa distância
A esmorecer meu sonho,
A alma na lama movediça.
De repente, na melancolia,
Remexo antigos versos inconexos.

Faz poesia, peço,
Por favor, nunca é demais...
Está bem, mas é poesia de ninguém,
Eu a por palavras no faz de conta
Por uma imagem que já me fugiu.

Faz sentido sofrer
Quando não se vê o outro lado da lua?
Quando naquela longínqua rua
Vejo-me sem estar lá?
Faz um nó dentro do peito, isso é que faz.

Faz sol e fogem os dias, chove e passa,
Mas em mim nada se move...
E meu itinerário é uma trapaça
Na história do que queria ser,
O que quase desconheço.

Ao longe, alguém sorri, sabe-se lá para quem,
Mas mesmo assim me atrevo a olhar daqui
Para esse sorriso intacto e luminoso que intuí
Sem saber de coisa alguma. De repente...
De repente, faço um poema.