31 de outubro de 2008

Janela

Abra a janela, vamos abra a janela!
Com o sol virão brisa e pó.
Com uma, todo o encanto,
Com o outro o ir do tempo.

Reabrir-se é permitir o arrebatamento,
Mas também é, despido, sujar-se
E aceitar naturalmente o desalento
Do que envelhece e morre.

Janelas e corações são para ver o sol
E permitir que tudo aconteça.
Luz, ar, pó e movimento,
Desejo e momento de continuar.

Morremos naqueles que perdemos,
Mas renascemos em quem amamos.
E assim, sem medo do desencanto.
Varremos o pó e reabrimos o coração.

Títeres

Nos estilhaços de palavras
Recolho cacos para um mosaico,
Fantasia de cores e versos.
Seguro por um fio que me prende,
Piso, descalço e descuidado,
Verbos e nomes, sangrando.

Ando nu sobre as pontas de vidro,
Vozes cintilantes, pensamentos.
Colando as contas brilhantes, danço...
E represento. De mãos dadas
A mim e ao fantoche poeta,
Fica meu coração no poema.

26 de outubro de 2008

Um último vôo

Tenho medo de meu grito de amor.
O rosto do passado cobra
E eu envelheço entremeado de desencantos...
Meus ossos, outrora silenciosos,
Rangem hoje com a falta de inocência.
Ensandecido, meu coração desanda.
Que fiz de mim?
Sou um arremedo do que fui
E trago comigo o anúncio de um trágico fim.
Ah alma minha!
Vem! Veste teu manto de criança jocosa,
Beija meu espírito lavado de humanidade
E troca as velhas pernas por asas
Que breve terás tua doce hora!
Um último e coruscante vôo
Sobre a demência!

22 de outubro de 2008

Em teus olhos

O que vi em teus olhos,
Loba ferida de esquecimento?
Elos, desvelos, memórias e apelos de tua asfixia!
Há neles um remoído esperar,
Moinhos de ventos dissolvidos...
Entre teus dedos, nada mais que o suor
Molha-te na inquisição dos medos
E urge teu desespero por não buscares.
Ao refrear o instinto tu continuamente deixas
O sonho por fazer. És véspera do que te trai.

Luta, e volta para ti, mulher quase vencida!
Redime teu ser selvagem e corre a te cumprir
Antes que percas de vez teu encantamento
E em tua jaula permaneças perdida e inerte
A te olvidar de quem fostes, tão livre eras...

20 de outubro de 2008

Os países de Alice III

O que seria de Alice
Se sua sombra nada fosse?
Se o perfume das palavras vagasse
Pelo jardim dos seus sonhos
E se perdesse?
O que seria da hora do fim:
Acordar? Ou seguir assim
Atrás de um estranho coelho...
Talvez atravessar outra vez o espelho
Ou viver à espera de si?
Que horas já serão?
Hora de ir-se... Ora!
E ir sem demora!

É o que farão.

poemeu 04 - Os países de Alice II

O que foi feito de Alice no país dos espelhos
A fiar maravilhas ao encontro de coelhos?
Teu gato entra e sai de tua casa
Dono de teus olhos e de teus bens.
Carrega a tua vontade em brasa
Como queres que sejam os sonhos que tens.
Buscando andas pelo mundo, descuidada,
Olhares sem perder nada do que olhas.
A mesa do bar, a fugidia madrugada
E os versos de tinta borrados nas toalhas.
É hora de ir. Os gatos também vão
É hora, vamos embora.

É o que dirão...

poemeu 03 - Os Países de Alice I

Que fim fez Alice num país das maravilhas
Diante do espelho desmontando as armadilhas?
Tua casa seduz do portão ao tapete,
Do banheiro até a saia da janela ondulante.
Piso mistérios em outras línguas de frete
Abandonando-me na névoa das canções, ignorante.
A procura de ti, nelas traduzes verbetes.
Fazes uma festa eu sei e sequei os meus cálices.
A festa é para ti e eu fui pelo corredor
a ler versos nas paredes, a buscar o fim de Alice
e tu danças em teu país acolhedor
e eu, eu já vou, eu vou embora...

Foi o que ele disse...

15 de outubro de 2008

Pupa

Feia, pegajosa e desengonçada...
Meu corpo...
Quero o resgate do abandono.
Quanta vida me pertence?
Do fundo de meu abismo,
Sou como sombra de mim mesma,
Mas sonho.
E desce uma calma melancólica
Sobre meus ossos partidos.
Adormecida, ouço claramente
Uma última voz em mim que diz
“Quero”.
Última trincheira, minha vontade,
Um calafrio toma-me inteira,
Vejo- me livre na escuridão.
E o nome dessa mulher é alma,
Minha noite densa por terminar...
E de repente o corpo curado
É mais do que um corpo,
É uma centelha, um clarão,
Minha véspera.
E essa mulher ressurgindo
Serei eu!
Voarei de novo, eu sei!
“Por favor, ame ”!

14 de outubro de 2008

Sacralidades

Seus apócrifos de letras bêbadas e disformes
Trazem-me à lembrança a Eternidade.
São letras salpicadas de sangue.
Sangue uterino, quente e pantanoso,
Relicário do líquido que me nutre e consome,
É ele que guarda o êxtase do seu amor em mim.
É nele que trago o delírio, a insanidade e a eternidade.
A cada ciclo, renovo-me para você.
Escamo todas as partes de minhas entranhas,
Numa liturgia sagrada para recebê-lo em meu ventre.
Sinto a presença do Infinito
Cada vez que seu corpo me consome,
Cada vez que sua respiração me suga,
Cada vez que seu grito me invade,
Cada vez que seu suor me umedece,
Cada vez que cai sua semente em minha terra.
Cada vez que você, meu Senhor,
Marca meu corpo com a voracidade de sua paixão.
Quando me empala, sou a mais feliz das mulheres,
Pois somos um. Estou completa. Sou inteira.
Por alguns segundos, não sou eu, não é você,
Dissolvemo-nos num universo.
Por isso, sua pele é a mais sagrada das vestimentas,
Seus pêlos guardam a essência do seu sal,
Sua boca é o receptáculo de meus pedidos,
Sua cruz, rija e sagrada, é minha penitência,
A mais preciosa.
Você é aquele que me traz esperança,
O que me completa no delírio e no arrebatamento...
Aquele que me devolve a mim,
A filha da Deusa!
É essa a marca que trago indelével:
Onde quer que você esteja, meu amor,
O desejo de que volte sempre para mim.
Mas, se um dia, meu Senhor,
O retorno só acontecer em minhas memórias
Ainda assim serei grata ao Universo
Pois saí da escuridão, da vida sem o amor.
Entrego-me, a partir de agora, nos braços da Liberdade...
Que ela me livre da insanidade estúpida
E me jogue no colo da loucura cega
A eterna busca de mim mesma.
Sou, agora, meu tesouro,
Como o filho pródigo e o pai:
Recebo-me bem-vinda!

Chaga

Um torvelinho de sentimentos
Traz-me à boca o coração.
Amargo torpor do desespero,
Percebo-me inaceitável...
A mariposa perdeu a si mesma.
Transformei-me na lagarta
A devorar tudo, insana,
Longe das asas para voar,
Feia, pegajosa e desengonçada...
Meu corpo se tornou uma morada
De tristezas, absurdos e nostalgia.
Como uma úlcera, a dor de minha alma
Dilacera meu corpo e meus pensamentos
Corroendo feito ácido a sanidade e a graça!
Quanta vida deixarei que passe?
Quanto amor jogarei no abismo?
Quanto de mim a metástase já terá tomado?
Mergulho.
Sei que ainda serei pupa a esperar...
Última trincheira, minha vontade,
Alguém me chame, por favor!

7 de outubro de 2008

Tela de Toulouse Lautrec

Óleo sobre tela...
Pintura de Toulouse,
Visionário preso por suas pernas.

E eu,
Prisioneira cega de um fim translúcido,
Sou esse quadro de uma prostituta!
A mulher que é eterna, mas não sabe disso...

5 de outubro de 2008

A Tua Carícia

Ah amado meu,
Interminável
anseio a me devorar,
Diante de ti caio de joelhos.
Preciso ouvir-te,
Saber de teu amor...
Longe de ti não tenho paz.
Não se desfaz a dor de tua ausência.
Simplesmente tenho medo
De que não me queiras mais.

A chave de meus portões
Já a tens e quando vens e entras
Em meu jardim, e danças
Nas terras úmidas de meu ventre,
Sou outra, sou calma, sou entregue
No aconchego dos teus braços.
Teu rosto em meu regaço,
Esqueço-me ausente
Do temor que me persegue.

Ah, meu desejo, meu amante,
Queria-me ver sempre tua assim.
Mas em mim, na solidão,
Quando aqui já não estás,
Ouço a voz de meu porão,
Meu triste e entranhado ser,
Que eterno jaz a lamentar
A dor de não poder dizer
Quem sou de fato eu inteira a te amar.

Se porém, um dia,
Firme como um homem-menino,
Pousares isento em meu dorso
Tua mão amável e acarinhares
Minha pele cansada de arrepios,
Eu abrirei essa entrevada porta
E libertarei o ser de meus vazios,
Minh’alma a sorrir para ti apaziguada,
Luz em meus olhares a me revelar!

1 de outubro de 2008

Amar Verbo "Transcenditivo"

Amar, amar, amar...
Mesmo sem rumo,
Do meio da vida,
Amar.

Mesmo com medo, ou caindo de joelhos,
O querer a qualquer custo, o penar!
Acesos como tochas, almas desejosas,
Amar nos vales quentes e úmidos
Do coração pedinte.

E se, chegado o dia de subir o monte último,
Vasto, alto, abismal e frio,
O espírito titubear na hora de partir,
Ainda assim amar a imensidão da entrega,
O apagar da chama humana, o retorno ao nada.