28 de dezembro de 2009

Meu velho fantasma

Lembro-me de ti, sem dizer uma palavra,
Olhos baços, furtiva sombra
A pairar notívaga...

Lembro-me de auscultar o eco dos passos
Madrugada fria afora,
Rua deserta, esquinas de mim e de ti.

Quem era eu e que sou agora?

Em noites de mim desgarrado,
Tu vinhas por oceanos de solidão escura
E sorrias triste...

Eras como roupa estendida branca
Num varal de miragens
A tremeluzir sobre a areia...

Por favor, lembra de mim...

Então, às vezes, recordo fragmentos,
Festas de jardins sem muros, fluidos sonhos,
Espectros de minhas idades.


Uma vez, noite de inverno sem rumo,
Perambulando como um bobo que um cão perturba,
Vi num relance teus imensos panos pelos muros.

Eras-me conhecido e desconhecido...

Mas isso não importava, bastavas-me assim
Através da bruma, por sobre as sombras minhas,
Espectro indelével, meu espelho no asfalto molhado.

Um brilho de lua num telhado, um sopro repentino,
Ou mesmo uma gema d’água em meio a uma chuva fina,
A escorrer-me pelos olhos e pela alma.

Por favor, não te esqueças...

Também peço, meu fantasma.
Quando for eu o espectro e tu o que sou,
Quando vier a sorrir triste em tuas noites,

Quando, solidão dos vivos, surgir de viés em teu caminho
Não me deixes a ondear meus trapos sem ti.
Reconhece-me, mesmo sem me conheceres.

Eu em ti, meu fantasma, tu e mim!

Quem era eu e que sou agora?
Por favor, lembra de mim...
Eras-me conhecido e desconhecido...

Por favor, não te esqueças...

2 comentários:

De Marchi ॐ disse...

Ótima, Mario! Gostei da escolha das imagens, e de como fechou no final!

Carolina disse...

Esse poema me fez lembrar o Tio...