25 de março de 2008

Do pó ao pó

Num corredor de pedras,
Virei à esquerda e cheguei a uma porta.
Divindades de todos os tempos olhavam
E uma deusa amante entregou-me um sonho.
“Toma e segue teu eco.”
A felicidade é uma centelha de memória na retina:
Apaga-se.
Comi com velhos amigos e bebi nosso vinho.
O jardim onde dois eram um chegou ao seu fim.
Quantos rostos de pedra sustentarão meu mundo?
Um espectro veio só olhar minha face.
Um velho homem de barbas brancas disse estar a meu lado
E então uma feiticeira com cabeça de antílope, revelou-me:
“Saia e viva. Não se prenda qual velha máscara na parede”.
E eu me percebi chorando. Ah, quantas horas hei de viver,
Prisioneiro!
Divindades olhavam como se já me soubessem
E a dama pousou sua mão leve e firme em meu ombro nu.
Segui meu caminho, a alma e o espírito e o esquecimento.
Como um peixe fui procurar minha nascente. Estava só!
Cego e assustado com a luz, órfão da água púrpura e quente,
Num corredor, vinte passos, vinte vidas e sem lembranças,
Estava vivo e com medo da morte. Minha mãe tomou-me nos braços:
“Amo-o, não o amo. Quero-o e não quero...”
E vivi.
Andei ereto, corri, aprendi.
No mais, amei transcenditivamente:
Novos amigos, dez paixões reconhecidas,
Quase todas as mulheres e muitos bichos.
Alguma inveja tive e nenhum indício de milagres,
Salvo a sacralidade de tudo a minha volta.
Fui rei e fui ninguém. Instantaneamente fui feliz.
A dor, mesmo quando sutil, foi a ladainha de minha alma.
E sonhei.
Incontáveis vezes sucumbi
E a aridez dos homens desencantou meus passos.
Andei enlouquecido e parindo idéias. Escrevi poesia.
Quando eremita, não deixei de procurar
Nem mesmo em meu deserto.
Envelheci de uma hora para outra e quase desisti.
E então uma terna e eterna criança
Surgiu-me de dentro e um dia sorriu:
“Vem”!
A memória espocava centelhas em minha retina.
Só fui ter a mim de volta quando morri.

Um comentário:

De Marchi ॐ disse...

Uma saga... não há pausa para retomar o fôlego, né? :)