20 de setembro de 2008

uma última litania

E repetirei as palavras
Tantas e tantas vezes!
Vermelho vivo, incandescente,
Brilho da tragédia,
O fim:
Tristeza intransponível,
Não há mais tempo!
Toda a consciência a tornar-se inútil...
E repetirei as palavras
De novo,
E de novo,
Mas nada mais significarão:

Compaixão,
Generosidade,
Dignidade,
Honestidade,
Amabilidade...

Depois,
Depois será o esquecimento...

Bebe-me!
Bebe-me!

Há uma bandeira
Estendida sobre a miséria
Numa carroça de catador de rua...
Há uma nua e alva nuca de mulher
Adormecida à minha frente...
Tristeza insondável do fim:
Não há mais tempo!
Insensatos pesares,
Poder & Glória,
E o tempo
A queimar o espaço,
Acontecer...


Últimos dias de paupéria:
Num imenso depósito de lixo,
Deslizo pelos soluços do desespero...
É o brilho cego dos olhos
Que querem
Crer!
Mas é inútil...
É tarde,
Tampo os ouvidos!
Silêncio de coração,
Meu sangue corre,

Dorme, ouço...

Não! Perco-me no caminho...
Ela olha-me nos olhos:

Bebe-me...

Estou no eixo do mundo
Relembro as palavras
Que hei de repetir
Tantas e tantas vezes...
E aquela mulher fita-me nos olhos

Dorme, dorme!

E está sorrindo:

Bebe-me, bebe-me...

E mais nada...
Aquela nuca de mulher,
Fria & nua é como uma tempestade.
Estou no tempo, encharcado de segundos,
Acima dos reinos, acima de meu caminho...
Explode a eternidade: uma fotografia,
Uma imensa fotografia!
Tudo é vermelho,
Brilho da tragédia
E pergunto onde estás?


Velhos amigos somos eu e essa dama!
Abrir esse reino, uma porta!
E eu a dizer as tais palavras
De novo,
De novo:

Compaixão,
Generosidade,
Dignidade,
Honestidade,
Amabilidade

Mas não há mais tempo...
Isto é o fim!
Depois, o esquecimento...
O corpo do deus que morre
Brilha tal qual uma chama imensa,
Mágica:

Este é meu sangue
Bebe-me, bebe-me
Ama-me...

O bravo homem se levanta
Num quarto
Onde revê acordado um sonho
De amor!
As palavras no feminino
A soar
Na sua insônia...
E ele a tentar dizer outras coisas,

Claridade,
Bravura,
Honra...


Não, não, não,
Não, não!


Nada virá senão um grande esquecimento,
As palavras nada significarão!
E aquela linda mulher que agora esconde a face
É a derradeira!
E eu prestes a repetir as palavras...
Não, ainda não!

Cede,
Cede...
Nem que seja uma grama de alma,
Nem que seja um instante, fragmento,
Toda a eternidade!

Ceder, diz ela...
Aquela nuca vulnerável de mulher
É a minha também.
Ergue-se como um rochedo lunar esquálido,
Nu sob a luz deserta do sol-lâmina
A queimar,
A cortar...
Ondula a bandeira entre os latões de lixo em brasa.
Nada perguntarei, pois tudo vejo.
Não há mais respostas...

Ah divino fruto do sagrado ventre, repete teu êxtase
Nos corpos arrebatados das mulheres que amei!

Só a mais antiga litania,

tempo,
terra é...
tempo,
vento é...
tempo,
fogo é...
tempo,
água é...

tempo, tempo

tempo...


O filho e amante da antiga deusa viva
Foi morto enfim
E ressuscitou...

ressuscita então

diz ela, rindo!

este é meu corpo, este é meu sangue

Bebe-me penso eu...
Aqui, estamos nós, outra vez, e outra...
A última comunhão, o derradeiro encontro:
Carne dos inocentes,
Um Deus tantas e tantas vezes assassinado!

Come-me, bebe-me e estarei em ti.

Nada a dizer, não há respostas
Só uma voz amável a balbuciar eternamente

Onde quer que esteja tua face,
Estarei contigo...

E o espírito assim tragado, sacrifício,
na tragédia, renasce...
Nova bandeira sem significados
Há de tremular sobre as estradas,
meus caminhos...
E diz ele:

Mãe perdoa-os porque sabem sim o que fizeram...
Pune os infames e salva-os de si!
Ah, maior amor dos mundos, abre teu reino, mãe!
Pune os homens com o ardor do teu carinho!

A eternidade explode em miríades de raios
Luz em negro nada, imenso clarão,
A última imagem...

Dorme, dorme...


E eu a dizer as últimas palavras:

Compaixão,
Generosidade,
Dignidade,
Honestidade,
Amabilidade

E será outro tempo!
Amar o deus do sacrifício sem matá-lo,
Redenção do esquecimento,
Eu & tu, minha dama de branco...
E o deus levantar-se-á, filho e amante
Da eterna deusa!

bebe-me, bebe-me e serei em ti!
Serei o que ama esse ser perverso que sempre foste,
Serei o que retorna e retorna e retorna...
Mereces-me? E isso importa?
Bebe-me!
Entre tuas blasfêmias estarei contigo!
Onde recomeçares estarei contigo!
Onde pousares inocente tua mão estarei contigo!
Onde não pensares mais estarei contigo!

Essa é a tragédia!
De novo, e de novo,

Compaixão,
Generosidade,
Dignidade,
Honestidade,
Amabilidade,
Paz
E a Morte...

Onde recomeçares estarei contigo!
Onde pousares inocente tua mão estarei contigo!
Onde viveres estarei contigo!
Onde não pensares mais estarei contigo!
Onde não fores mais estarás em mim!

Um comentário:

Mérci disse...

"Onde recomeçares estarei contigo!
Onde pousares inocente tua mão estarei contigo!
Onde viveres estarei contigo!
Onde não pensares mais estarei contigo!
Onde não fores mais estarás em mim!"

Deus em sua magnitude lhe fez Homem e Poeta.
Ambos seres adoráveis.
A cada dia entorpeço-me com seus poemas.
Sempre voraz e sutil.
Ahhh!!!!!!! Mario
Você sempre estará dentro do meu coração...
Grande Coração Zagreu!!!!!